"Lembro muito de uma vez na França que uma pessoa me disse assim:."aqui somos assim, pensamos muito antes de agir. Ao contrario de vcs, que agem muito antes de pensar." Posso dizer por mim que fico pensando pensando mil horas sem fim. Depois de muito tempo,  consigo dizer "você não pode dizer sobre mim". E, também, há um fundo tônico contextual.  Mas o contexto de quem me falou não é o mesmo de um imigrante na França.  Não fale sobre mim nem sobre o imigrante africano, árabe ou de qualquer outro país ou continente.  Estava lembrando do Saco... do solo que fiz na França, meu primeiro pouso solo em cena em terras estrangeiras mas também do Saco que nos colocam todos juntos misturados sem falar a mesma língua. Farinha do mesmo saco. Quando entrei no Saco preto, aquele  também do velho do saco que pegava criancinha, não agarrava ainda firme as ideias que cabiam nele. Algo da invisibilidade hoje me sussurra ou algo mais daquilo que fica na expectativa do que tem aí dentro, o que move aí, um saco movente. Pra sair do saco recolhi gestos cotidianos, empilhei, tentei sair do saco pra dar vida a um movente que pudesse se reconhecido em terras estrangeiras. Eu nunca fiquei confortável dentro do saco como nunca fiquei confortável como estrangeira.  Sempre me pareceu uma suspensão, mas de que (pergunta). Sempre tentei responder com muito fervor ao projeto de invisibilidade, tento explicar, quis falar francês impecavelmente para que estivesse à altura do entendimento deles e que não pudesse ser lida como "a brasileira". Ser brasileira durante cinco anos na França sob governo de Lula aqui e extrema direita de Sarkozy lá era sim, portanto, favorável. Mas voltando ao inicio, desse lugar de fala, era muito triste ver como os negros ex-colonizados vivendo em solo  francês e os árabes, por exemplo, eram marginalizados. Também lembro a reação de alguns quando, junto a uma amiga colombiana, em uma conversa com franceses, eles silenciaram a fala dela. (Frantz Fanon fala disso em um livro muito bonito, de precisar limpar o sotaque para ser reconhecido como francês e apagar os rastros da ancestralidade, em Peau noire masques blancs) Enfim, isso de caber no saco é bem complicado. Me lembro até que, algumas vezes, me deixava passar por outra. Em algumas situações os árabes se identificavam comigo como se eu fosse uma mulher árabe. Sempre fiz bem o papel do disfarce. Mas disfarçar o que, para quem,.. o que nesse disfarce aparece de mim, de nós, daquilo que eu gostaria que fosse visto. Voltei no Saco porque sinto ele de novo aqui, a presença dessa coisa que se disfarça, que se deforma, que é ruidosa porém velada. Estar no Brasil agora e a dificuldade de dizer-se brasileira, essa tonicidade -esse peso-  nessa suspensão : voltei no micro como quando saí do saco, mas não quero usar os gestos que me reconheçam, como quebrar essa expectativa de um fundo tônico igual para todos onde não há alegria, onde matam e matam e matam.... que tipo de chão podemos inventar? Um mar, uma imensidão , coisas boiando,  objetos descartados,  corpos desgastados...responder ao que quando se está perdido nessa vastidão? Palavras lentas, demoradas, palavras afogando...pertences partidos...todos os olhos apagados. Acendeu, quem falará por mim se não te deixo falar sobre mim? Ora, quem será o olho invisível que vai nos defender? Caí no buraco, não no saco, acabou -se o mundo. Porque não é claro, é escuro mesmo. Percebo que esse micro, o silêncio no buraco suspenso é bem escuro, é lamacento, é doloroso, ficar nu com minha música, grudenta, lenta e deforme. Ana Kiffer fala desse "isolamento" como um aspecto do ser brasileiro, que não nos vemos de dentro, porque nunca nos vimos, sempre preferirmos buscar lá fora como ser vistos. E apagarmos nossa historia colonial que o velho levou num grande saco. Como artista, me arrisco em olhar dentro do saco, não somente, mas entrar nele. Vou parar por aqui, tento afundar, sem disfarçar. "

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